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Marcelo Zero: As Big Techs dos EUA e a introdução de uma cunha geopolítica no Mercosul. Por Marcelo Zero

*Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais.

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Marcelo Zero
Marcelo Zero
É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado.

Imagem aérea da Usina de Itaipu. Foto: Jonas Carvalho/Wikipedia Commons

(Os negritos ao longo do artigo são do próprio autor)

Em recente sessão do Senado estadunidense, o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, afirmou que o desenvolvimento de novas tecnologias, como a da inteligência artificial, vai gerar demanda por energia superior à produção global atual.

Para o secretário de Estado, isso gerará oportunidades para países como o Paraguai, que tem excedente para vender.

Ele afirmou literalmente que: “Precisamos estar na mesa para falar sobre nossa parceria com países que têm esta energia, por exemplo, o Paraguai, que tem uma hidrelétrica e estava em um longo acordo com o Brasil, e este acordo agora expirou.

Eles estão tentando descobrir o que fazer com esta energia”.

Em primeiro lugar, é preciso afirmar que o Tratado de Itaipu não expirou.

Essa é uma ideia inteiramente equivocada, embora muito difundida.

O Tratado de Itaipu, na realidade, não tem “prazo de validade”.

O que expirou, em 2023, e está sendo renegociado, é apenas o seu Anexo C, que trata especificamente das questões financeiras da gestão da Itaipu Binacional e do preço da energia fornecida.

Outra ideia equivocada, embora muito difundida, é a de que o Paraguai pode vender seu excedente de energia para terceiros países.

Na realidade, o Tratado de Itaipu veda explicitamente tal possibilidade. Com efeito, o § único do Artigo XIII do Tratado, determina que as Altas Partes Contratantes (Brasil e Paraguai) se comprometem a adquirir, conjunta ou separadamente, na forma que acordarem, o total da potência de ITAIPU.

Ou seja, toda a energia produzida por Itaipu tem de ser adquirida pelo Paraguai e pelo Brasil. Caso um país não consiga consumir a sua parte na produção (50%) do total, esse país está obrigado a vender ao outro país o seu excedente de energia.

Faz todo sentido, pois a Usina de Itaipu foi construída por esses dois países, sendo que o Brasil assumiu praticamente toda a imensa dívida ocasionada por essa obra monumental.

Dívida cujo pagamento só foi concluído em 2023, o que criou as condições objetivas para a renegociação do Anexo C do Tratado.

Pois bem, o Paraguai consome cerca de 17% da energia a que tem direito em Itaipu.

O restante ele vende para o Brasil, que tem a obrigação de comprá-la. Pode-se negociar o preço, o que está sendo agora feito, mas é um direito do Brasil adquiri-la.

O Paraguai, contudo, sempre advogou a tese de que poderia vender seu excedente de energia para quem bem entendesse, e ameaça o Brasil de fazê-lo, de modo a impor seus preços.

Obviamente, o corte dessa energia ao Brasil provocaria danos imensos ao nosso país e aos seus consumidores, que foram os que pagaram, em última instância, a construção da imensa usina.

Marco Rubio sabe bem disso e procura explorar essas divergências entre esses dois países do Mercosul.

Rubio sabe também que o desenvolvimento da IA nos EUA enfrenta problemas logísticos complexos, o que poderá levar a China a se impor em um setor absolutamente estratégico.

Para se ter uma ideia dos gargalos logísticos das Big Techs estadunidenses, pode-se mencionar que, em 2026, os “data centers” dessas empresas consumirão 1.000 terawatts de energia elétrica, o equivalente ao consumo de todo o Japão.

E, para cada consulta individual média em inteligência artificial, elas gastam cerca de meio litro de água doce, pois a rede monumental de servidores precisa ser resfriada.

É um problemão energético e ambiental.

Ora, o Paraguai tem, em abundância, tanto energia elétrica como água doce. Melhor ainda: trata-se de uma energia limpa, renovável e muito barata, uma vez que a amortização do investimento de Itaipu já se concluiu.

Isso representa uma enorme vantagem comparativa.

Entretanto, uma compra direta dessa energia pelo EUA é impedida, como vimos, pelo Tratado.
Nada impediria, contudo, que empresas de IA dos EUA se instalem no Paraguai para aproveitar as vantagens comparativas daquele país.

Nada impediria também que empresas taiwanesas e estadunidenses produtoras de chips e de circuitos integrados se instalem no Paraguai.

O Paraguai é, frise-se, um dos poucos países do mundo que reconhecem Taiwan como Estado independente, o que já representa um atrito sério com a China, no interior do Mercosul.

Uma possível aliança entre o Paraguai, Taiwan e os EUA e suas Big Techs introduziria uma cunha geopolítica significativa no Mercosul e na integração regional soberana.

Provocaria um desequilíbrio geopolítico que não seria do interesse do Brasil e de toda a região, que não pode ser envolvida na nova “Guerra Fria”.

Nossa região tem de ser mantida como uma zona de paz, equilíbrio e de comprometimento com o multilateralismo.

De qualquer forma, o simples anúncio de Rubio prejudica a posição negociadora do Brasil em torno de Itaipu, a qual já está delicada, em razão da suposta espionagem feita pela Abin contra o Paraguai, ainda no governo Bolsonaro.

Seria o caso de se perguntar se essa “revelação” contra o Brasil não teria sido, de certa forma, estimulada pelos EUA.

Levando em consideração a postura francamente agressiva e neoimperialista do governo Trump, não se pode duvidar de ações do governo dos EUA que possam levar a uma “implosão” dessas negociações complexas entre o Brasil e o Paraguai e do próprio Mercosul.

As notícias fantasiosas de que o Brasil seria “uma fábrica de espiões para Rússia” e de que nosso país “abrigaria células do Hezbollah” se inserem nesse contexto de uma guerra híbrida que ameaça o protagonismo do Brasil na região e no mundo.

Todo cuidado é pouco.

O império sem regras de Trump está à solta.

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