Nos últimos anos, temos assistido a um fenômeno econômico interessante: o crescimento de diversas regiões e segmentos da economia brasileira impulsionado “de baixo para cima”, mesmo em um cenário de limitada participação direta dos governos locais e central:
- A ausência de grandes investimentos públicos diretos não impede que a economia se expanda a partir da base social e produtiva;
- E o crescimento “de baixo para cima” indica a capacidade da sociedade civil, dos pequenos produtores, empreendedores locais e comunidades organizadas de gerar valor econômico de maneira descentralizada e autônoma.
Esse processo, embora muitas vezes invisibilizado nas análises tradicionais, revela um dinamismo social e produtivo que merece atenção e valorização e ocorre em função de diversos mecanismos interligados.
Primeiramente, destacam-se os Arranjos Produtivos Locais (APLs) — redes de pequenas e médias empresas que se organizam para compartilhar recursos, inovação e mercados:
- Um exemplo clássico no Brasil é o setor calçadista do Vale do Sinos, no Rio Grande do Sul, que prospera graças à cooperação entre empresários locais, mesmo sem forte suporte governamental;
- E, no Nordeste, o setor têxtil do Agreste de Pernambuco – outro exemplo emblemático – onde pequenas fábricas e ateliês familiares se articulam para abastecer o mercado nacional e internacional, impulsionando a economia local e gerando milhares de empregos.
Além disso, o microempreendedorismo popular tem se mostrado um motor poderoso da economia, especialmente em regiões urbanas periféricas e áreas rurais:
- Pequenos negócios informais ou formalizados via MEI (Microempreendedor Individual) cresceram expressivamente após a pandemia;
- Principalmente, aproveitando o acesso às tecnologias digitais – como redes sociais para venda direta e plataformas de pagamento eletrônico.
Outro vetor importante é a economia solidária e as cooperativas, que merecem destaque nesse contexto, principalmente porque promovem geração de renda e inclusão social a partir da autogestão e do fortalecimento comunitário.
E não podemos ignorar a mobilização social e o capital comunitário, que promovem iniciativas de agricultura urbana, economia de cuidados e redes de solidariedade:
- Em contextos de crise e retração do Estado, essas estratégias de resistência e inovação comunitária;
- Formam uma base sólida para o desenvolvimento econômico sustentável.
Todas essas iniciativas que criam empregos e renda – sem depender exclusivamente das políticas públicas – se consolidaram com o avanço da infraestrutura digital acessível, como fator decisivo para o sucesso:
- O acesso à internet possibilita que produtores e pequenos empresários alcancem mercados antes inacessíveis, ampliando a escala dos negócios locais;
- E a logística descentralizada, via serviços de entrega e fintechs, facilita o escoamento da produção e o acesso ao crédito.
No entanto, para que esse crescimento de baixo para cima atinja todo seu potencial, é fundamental que os governos locais e o governo federal observem essa situação e atuem (ao menos) como catalisadores desse processo, oferecendo suporte por meio de políticas públicas que apoiem os pequenos empreendedores e as redes produtivas:
- Isso pode ocorrer pela criação e implementação de leis que desburocratizem a formalização;
- Facilitem o acesso a crédito e financiamentos específicos;
- E promovam capacitação técnica e estimulando a inovação.
Enfim, mesmo com pouca intervenção, a atuação governamental pode (e deve) ser estratégica, para a criação de um ambiente favorável para que as iniciativas locais prosperem, dinamizando o tecido econômico sem necessariamente interferir diretamente na operação dessas redes produtivas:
- Investimentos em infraestrutura básica, tecnologia, educação e serviços de apoio são essenciais para ampliar as oportunidades;
- E garantir que o crescimento econômico seja sustentável e inclusivo.
O crescimento econômico de baixo para cima demonstra que, mesmo em ambientes com limitações de intervenção governamental direta, a economia pode avançar por meio da criatividade, organização social e empreendedorismo popular.
Dessa forma, em tempos de incertezas globais e limitações fiscais, o Brasil tem diante de si uma oportunidade histórica:
- Utilizar a potência do seu povo como parte do processo estruturante do seu projeto de desenvolvimento;
- E, com o apoio certo dos governos, fazer esse processo se tornar fundamental para a formação de uma economia mais inclusiva, resiliente e sustentável para o Brasil.
Ao reconhecer, apoiar e escalar o que já nasce e floresce nas periferias urbanas, nos interiores produtivos e nas redes solidárias, o Estado pode fazer mais do que governar — pode impulsionar um novo ciclo de prosperidade social e econômica.
O futuro do Brasil também precisa estar articulado ao chão fértil de onde já brota a criatividade, a resiliência e o trabalho coletivo.