O manifesto “Caranguejos com Cérebro”, escrito em 1991 por Fred Zero Quatro — músico e jornalista pernambucano — foi o estopim de uma revolução cultural que nasceu nos mangues do Recife e ecoou pelo Brasil e pelo mundo, dando voz a uma cena musical efervescente e engajada: o movimento Manguebeat.
Nascido nos manguezais do Recife e alimentado pela inquietação social, o Manguebeat surgiu para denunciar as desigualdades, a exclusão e a pobreza que marcavam a vida urbana:
- Inspirou-se no trabalho do geógrafo e médico pernambucano Josué de Castro, cientista que revelou ao Brasil e ao mundo o caráter estrutural e social da fome e da miséria como construção social;
- E a sua determinação pela orientação dada à economia e por decisão política.
Em termos artísticos, o movimento propunha, ao mesmo tempo, uma potente renovação artística e cultural, conectando as raízes da cultura nordestina às tecnologias e sonoridades globais:
- Dois símbolos se tornaram ícones do movimento — o caranguejo, habitante resiliente dos mangues, e a antena parabólica — representando a abertura ao mundo, à informação e à inovação;
- Sendo a fusão entre o local e o global a essência do Manguebeat.
Com um legado vasto e profundo e o manifesto como marco fundador, o Manguebeat apresentou ao Brasil e ao mundo a genialidade de artistas como Chico Science & Nação Zumbi, e com eles:
- Mais do que um movimento musical, foi um grito coletivo por dignidade, criatividade e pertencimento;
- Que continua a ecoar e inspirar novas gerações.
O impacto desse movimento ultrapassou as fronteiras de Pernambuco:
- Para o estado, significou o renascimento do orgulho cultural e da autoestima popular;
- Para o Brasil, revelou a potência de uma arte comprometida com a realidade social e aberta ao futuro;
- E, para o mundo, ofereceu uma estética inovadora, híbrida e pulsante, capaz de dialogar com as vanguardas globais sem perder a alma do mangue.
Por tudo isso, é fundamental que o manifesto “Caranguejos com Cérebro” não caia no esquecimento.
Ele é mais do que um documento de época — é um chamado permanente à transformação pela cultura, à valorização das periferias e à resistência criativa.
Em tempos de crise social e apagamento simbólico, revisitar o Manguebeat é redescobrir caminhos para uma arte que pensa, sente e luta.
Afinal de contas, conforme declamou Chico Science na abertura da música “Monólogo ao Pé do Ouvido”:
“Modernizar o passado é uma evolução musical.
Cadê as notas que estavam aqui?
Não preciso delas!
Basta deixar tudo soando bem aos ouvidos.
O medo dá origem ao mal.
O homem coletivo sente a necessidade de lutar.
O orgulho, a arrogância, a glória, enchem a imaginação de domínio.
São demônios os que destroem o poder bravio da humanidade.
Viva Zapata!
Viva Sandino!
Viva Zumbi!
Antônio Conselheiro! Todos os Panteras Negras! Lampião, sua imagem e semelhança.
Eu tenho certeza — eles também cantaram um dia.”
Revisitar o Manguebeat é reencontrar a arte como trincheira.
É lembrar que a cultura popular, quando crítica e viva, transforma o presente e pode ajudar a projetar futuros possíveis.