Em entrevista ao UOL no último dia 29, o ex-ministro José Dirceu, histórico líder do PT, fulminou com a política econômica do governo e ironizou o discurso dominante no mercado financeiro brasileiro, representado pela Faria Lima e a Febraban.
Estes, segundo ele, propõem sempre “as mesmas soluções: privatizações, desvinculação do salário mínimo, e desmonte dos pisos constitucionais de saúde e educação, mas evitam debater seriamente as reformas tributária e política.”
Para Dirceu, o país está vivendo um “negacionismo econômico e político”, ignorando que o caminho do desenvolvimento passa necessariamente por reformas estruturais e pela valorização do papel do Estado na promoção do crescimento e da justiça social.
“A saída do Brasil é crescer”, concluiu o ex-ministro, reafirmando a urgência de romper com o modelo atual.
Quanto a mim, estou absolutamente de acordo com ele. Na verdade, seu discurso coincide exatamente com o do movimento que lançamos sob o lema “Vamos Fazer o Brasil Crescer de Vez”.
Entendemos que é preciso urgentemente dar um passo adiante.
Não nos limitamos apenas ao discurso, mas apontamos um caminho concreto para resgatar as condições de desenvolvimento do País.
Como Dirceu, condenamos de forma veemente a política macroeconômica de juros altos, e a insana política fiscal de cortes recorrentes de gastos sociais para atender às pressões do mercado financeiro.
Vemos, porém, como saída, uma efetiva socialização do patrimônio público “de baixo para cima”, através de uma ampla rede de Arranjos Produtivos Locais e Regionais.
Se o mercado quer de forma tão veemente a privatização, como negócio, até mesmo da educação e da rede sanitária públicas, e, ideologicamente, com o a fim de garantir o pagamento do serviço da Dívida Pública, vamos, sim, fazer uma grande mobilização para realizá-la.
Contudo, não será para entregar à oligarquia privatista as universidades e os hospitais federais.
Será para entregá-los ao controle e à gestão dos próprios servidores que neles trabalham mediante a organização e a utilização de seu patrimônio como Arranjos Produtivos Locais.
Tratei desse tema nos meus últimos artigos, e numa entrevista para o Paraíso Brasil ontem, mostrando que isso é perfeitamente possível respeitando inclusive as regra do estúpido “arcabouço fiscal”.
É que, através de iniciativas empresariais “de baixo para cima”, podemos escapar das restrições da macroeconomia restritiva “de cima para baixo”, e promover o desenvolvimento aproveitando características econômicas locais, regionais e vocacionais do território brasileiro.
Todo o processo poderia começar pela privatização social da UFRJ, a maior universidade federal do País, virtualmente quebrada e sem perspectiva de receber verbas públicas enquanto durar a política econômica em curso.
Politicamente, essa seria a grande saída para um país que perdeu sua visão estratégica. Não somos uma economia capitalista plena, e muito menos uma economia onde os objetivos sociais tem prioridade.
Estamos a meio caminho das duas.
Então, por que não integrá-las num mesmo sistema em nível superior, que chamo de sociocapitalismo?
Nele, através dos Arranjos Produtivos em forma de Sociedades Anônimas, os trabalhadores assumem o controle do capital e tornam-se a base de uma sociedade não conflituosa, mais justa e igualitária.
A sociedade brasileira, como o próprio Governo, tem sido escrava do capital financeiro. Vimos isso de forma simbólica quando a equipe econômica, pressionada pelo “mercado”, teve de recuar do aumento do IOF menos de 24 horas depois do anúncio de seu aumento.
Além disso, o Governo não tem maioria no Congresso para adotar uma política macroeconômica alternativa, e duvido que, se tivesse, poderia fazê-lo com a equipe econômica atual.
É que em seu próprio interior predominam os neoliberais, a começar por Fernando Haddad, Simone Tebet e Gabriel Galípolo, o trio responsável pela política econômica atual.
Nesse contexto, a crítica de José Dirceu à política econômica é um alerta para a sociedade mover-se “de baixo para cima” a fim de formular e por em prática um novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, especialmente diante das indefinições quanto ao resultado eleitoral do próximo ano.
Eu acho muito difícil o presidente Lula ganhar o pleito, se não houver uma mudança decisiva na economia.
E o pior é que, se perder, a direita e a extrema direita também não mudarão a política econômica já que, no fundo, ela corresponde a sua ideologia neoliberal.
Mostrei em artigos anteriores que o arranjo partidário das esquerdas liderado pelo PT, retoricamente antineoliberal, está rachado por causa de declarações contraditórias do presidente assumindo teses centrais do neoliberalismo, como Globalização e Livre Mercado.
Entretanto o Presidente, com sua alta sensibilidade política, saberá recuar de for necessário.
Um bom caminho seria a adesão ao sociocapitalismo na sua versão prática de difusão no País dos Arranjos Produtivos Locais e Regionais, começando pela transformação neles de universidades federais e da rede sanitária pública.
Seria importante que os servidores das universidades federais, e principalmente reitores e professores, fizessem um esforço para entender o funcionamento dos APLs e a aplicação prática nelas desse modelo de gestão.
Se houver consenso, a sugestão seria levada ao Presidente que autorizaria o uso desse patrimônio público pelos trabalhadores do Arranjo, sem transferência de propriedade.
A cessão de uso seria capitalizada como participação do governo, por exemplo, em 20% das ações de controle da Sociedade Anônima gestora do Arranjo.
Nas próximas semanas estaremos buscando contatos com servidores da UFRJ, e especialmente com o Reitor, para lhes apresentar o projeto inicial da organização de um Arranjo universitário.
Seguiremos nesse esforço com outras universidades e com a rede sanitária pública.
O importante a ser entendido é que, independentemente do que o Presidente prometeu há alguns dias na reunião com os reitores das instituições federais de ensino superior, é muita estreita, ou praticamente nula, sua margem de manobra para atender às necessidades financeiras delas.
A principal resistência a essas sugestões certamente virá dos oligarcas que estão de olho na privatização do patrimônio público do Estado em interesse próprio.
São eles, com pressões apoiadas pela mídia corporativa em favor do equilíbrio do orçamento primário, que estão levando o setor público social ao estrangulamento.
O Governo se subordina a eles recorrendo a fetiches ideológicos que simplesmente acobertam a ganância financeira privatista.
Dirceu tomou uma sábia decisão ao atacar esse sistema que ameaça a estabilidade não apenas do Governo, mas de todo o País, que vê desaparecer gradualmente a sua frente o Estado Social brasileiro sob as patas das oligarquias financeiras.