Tenho refletido, ultimamente, sobre a deterioração da política.
O que me inquieta é saber se essa perda de valor ético está para além de nossas vontades ou se depende, em última instância, de nossos pensamentos e ações.
A questão é menos abstrata do que parece.
Em tempos de desencanto com as possibilidades de construção do bem comum, torna-se quase irresistível acreditar que o cinismo, a corrupção e o jogo sujo são elementos naturais da política, como se o sórdido lhe fosse intrínseco, inseparável de sua própria essência.
O que está em jogo aqui é a diferença fundamental entre o que é intrínseco e o que é extrínseco ao fenômeno político.
Aquilo que é intrínseco à política pertence à sua constituição mais íntima, integra sua estrutura natural e não pode ser separado dela sem violar sua própria essência.
Já o que é extrínseco é acidental, circunstancial, resultado de fatores externos que se sobrepõem ao longo do tempo e podem ser removidos sem comprometer sua integridade.
Esse raciocínio conduz, inevitavelmente, à formulação de uma pergunta incômoda, que apenas sugeri no início desta crônica: a sujeira que vemos no fisiologismo, na troca de favores e na manipulação da ignorância do eleitorado faz parte da essência da política ou seriam essas distorções históricas impostas a um campo que foi criado, originalmente, para servir ao bem comum?
É preciso que essa questão seja respondida com grande consciência e cuidado, pois, dependendo da forma como for interpretada, dela decorrem implicações éticas, históricas e políticas profundas.
Ao aceitar a ideia de que a sordidez é parte indissociável da política, corre-se o risco de abdicar da luta histórica por uma vida pública orientada pela dignidade.
O jogo sujo e as práticas corruptas passam, então, a ser naturalizados, como se fossem inerentes à própria vida social.
Ao legitimar o que deveria ser enfrentado, toma-se por essência aquilo que é, na verdade, fruto de ações abjetas e de estruturas institucionais deformadas.
Essa rendição, embora disfarçada de pragmatismo, conduz à mais insidiosa das desresponsabilizações, pois persuade a coletividade de que nada pode ser feito e, assim, afasta da arena pública os probos justamente quando ela se torna mais vulnerável à ação daqueles que nela operam com cinismo e sem escrúpulos.
Essa distinção não é apenas um exercício teórico, mas diz respeito a algo essencial para a construção de possibilidades concretas de uma vida política digna.
A política não é, por definição, um espetáculo de horrores.
Em sua vocação mais elevada, é o espaço onde as diferenças se organizam, onde o dissenso, quando tratado com responsabilidade, se transforma em deliberação, onde a vida coletiva se aprimora por meio de regras, compromissos e princípios.
Como ensina Norberto Bobbio (1909–2004), em Estado, Governo e Sociedade – para uma teoria geral da política, a política é uma atividade humana voltada à direção ou influência sobre o comportamento coletivo, orientada por interesses que se pretendem públicos.
Sendo prática humana, está inevitavelmente ligada às escolhas éticas de seus agentes e, portanto, sujeita tanto à degradação quanto à regeneração.
Portanto, quando a política se degrada, isso não se deve à sua natureza, mas à ação de sujeitos, à força dos contextos e às escolhas que se sedimentam historicamente.
E justamente por ser uma construção humana, ela pode ser resgatada, reconstruída e regenerada.
O comportamento ético na vida pública não é um adereço retórico de palanques eleitorais, mas o núcleo nevrálgico da política em sua expressão mais legítima.
Romper com a falácia de que a sordidez é condição intrínseca da política é recusar o fatalismo moral que tanto serve aos que lucram com a rapinagem.
É afirmar que a decência é possível, que o espaço público pode ser reconstruído como lugar de valorização do mérito, da justiça e do bem comum.
É reconhecer que a indignação diante da corrupção generalizada precisa ultrapassar o desabafo e se transformar em projeto.
Nenhuma degradação é definitiva enquanto os sujeitos de direito não desistirem de si mesmos nem da polis.
Afinal, onde houver compromisso ético e coragem, haverá sempre um futuro político digno de ser disputado.