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Imersão na ignorância, o triunfo neoliberal

Por Felipe Quintas e Pedro Pinho

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Pedro Pinho
Pedro Pinho
Administrador aposentado.

Em 1913, o escocês Arthur Conan Doyle (1859-1930), criador do detetive Sherlock Holmes, escreveu um curto romance de ficção científica: The Poison Belt, (traduzido por Raul de Polilo para a Editora Melhoramentos, SP, com título “O Veneno Cósmico”).

Nesta obra, a Terra passa por um cinturão de éter fatal, eliminando toda vida animal no planeta. Volta e meia imaginamos que a Terra está passando por outra nuvem cósmica, agora a que altera a capacidade de percepção e mergulha as mentes em desatinos de tal ordem que passam a defender o que lhes prejudica.

Vejamos exemplos.

Há indesmentível miséria no mundo de hoje, aguçada a partir do domínio do capital financeiro nos anos 1990. Mas ela não ocorre do mesmo modo em todos os países. Por isso, escolhemos os dois países sedes do financismo global: o Reino Unido (UK) e os Estados Unidos da América (EUA). E para confronto, dois países que priorizam o desenvolvimento industrial: a República Popular da China (China) e a Federação Russa (Rússia).

Outros dois são a Alemanha, que busca, nos limites de um país ocupado pelas tropas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), defender sua autonomia, e o Brasil, que há muito, desde o fim do governo do Presidente Ernesto Geisel, desistiu de ser um Estado Nacional Soberano.

Todos os dados são do suspeitíssimo Fundo Monetário Internacional (FMI), defensor das finanças globalizadas, mas que promove levantamentos estatísticos internacionais e os apresenta com correção técnica, tal como as moedas ajustadas no tempo. Os valores foram convertidos para dólares estadunidenses ajustados ao câmbio de abril de 2013.

 

Produto Interno Bruto (PIB) em milhões de dólares

 País 1980 1990   2000   2010   2018
UK 542.452 1.024.558 1.478.648 2.267.482 2.990.161
EUA 2.788.150 5.800.525 9.951.475 14.964.401 20.412.870
China  202.458 390.279 1.198.477 5.930.392 14.941.148
Rússia*  – 85.592 259.702 1.525.353 3.181.529
Alemanha  826.142 1.547.026 1.891.934  3.312.193 3.958.132
Brasil  148.915  465.004 644.283 2.148.925 3.389.438

 

PIB per capita por Paridade de Poder de Compra (PPC) em dólares

País 1980 1990 2000 2010 2018
UK 7.980 16.100 25.241 37.708 44.101
EUA 12.249 23.198 35.252 46.811 63.676
China 251 796 2.379 7.553 16.231
Rússia* 7.870 7.661 15.687 25.207
Alemanha 9.919 18.324 26.090 36.173 47.790
Brasil 3.761 5.363 7.207 11.216 16.175

*Antes de 1992, a Federação Russa não existia, com maior número de países, havia a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

Procuremos evitar os efeitos da nuvem deturpadora para analisarmos, sem preconceito, estes números.

Examinemos o que aconteceu depois de vinte e oito anos do domínio crescente das finanças no poder dos Estados. Excluem-se a China e a Rússia, entre os inteiramente dominados pelas finanças.

Na tabela que segue das variações temporais (1990-2018), em percentagens, analisamos os dados anteriormente apresentados.

TRÊS DÉCADAS NEOLIBERAIS (variação em %)

País Variação no PIB Variação no PIB (PPC) per capita
UK 292 274
EUA 352 274
China 3.828 2.039
Rússia* 3.717 360
Alemanha 256 260
Brasil 729 302

 

De início é preciso esclarecer que as desregulações dos anos 1980, impulsionadas pelo Reino Unido e os EUA, não foram implantadas igualmente pelo mundo. Houve reações e imposições. Na antiga URSS, colocou-se um governante absolutamente incapaz de gerir o Estado, permitindo o surgimento de associações criminosas que alienaram empresas, instituições e bens do Estado para o Ocidente (Europa e EUA).

A Alemanha sem condição de autonomia ficou numa posição das mais instáveis; de um lado era colônia das finanças internacionais, de outro era o Império para os países europeus de economia fraca, como Portugal e Grécia, entre outros.

No Brasil, de 2003 a 2015, treze anos dos vinte e oito computados, embora as finanças também participassem do governo, o Partido dos Trabalhadores (PT) promoveu a criação de empregos formais, com carteira assinada, e a distribuição de renda, com crescimento real do salário mínimo.

Para análise do UK, são necessárias diversas considerações. Primeiro pela senioridade financeira da Inglaterra, remontando ao século XVII. Depois pela identidade financeira, por muitos séculos, com o poder da aristocracia. Finalmente pelo protagonismo na transformação fora de seus limites territoriais de um mundo industrial num mundo financeiro.

Trazemos alguns textos, em tradução livre, do trabalho de dois historiadores britânicos: Peter J. Cain (Sheffield Hallam University) e Anthony G.Hopkins University of Cambridge), British Imperialism 1688-2015, Routledge, London & New York, 2016, 3ª edição, para ampliar estas considerações.

“Uma taxonomia provisória sugere que o papel mundial dos britânicos pode ser dividido em três sequências: proto-globalização, entre 1688 e 1850; globalização moderna, de 1850 e 1950, e globalização pós-colonial de 1950 até os dias atuais”.

Após discorrer sobre a grande alteração no século XX, as desregulações de 1986, nas finanças britânicas, de onde só restou vitorioso o Grupo Rothschild (1798) no poderoso sistema bancário da City londrina, escrevem Cain e Hopkins:

“Sua visão de liderança financeira global permanece intacta, como ilustram seus esforços para persuadir as autoridades chinesas a usar Londres como centro europeu para administrar sua moeda mundial emergente, o renminbi”.

“A ideologia neoliberal que validou as mudanças introduzidas pelo Big Bang foi endossada pelos governos do Novo Trabalhismo e sobreviveu intacta sob a coalizão formada em 2010, como demonstram o compromisso com a privatização de bens públicos e a atitude relaxada em relação às aquisições estrangeiras de serviços públicos. As condições mundiais assumiram a culpa pelo desastre; a atenção do público foi desviada pela arrogância que estava por trás disso; os culpados foram considerados “grandes demais para falir – ou para serem presos”. O programa de flexibilização quantitativa do Banco da Inglaterra ajudou muito às principais instituições da City, assim como a estatização temporária de alguns dos bancos mais afetados”.

Temos as razões dos acréscimos dos PIB, que também são aplicáveis aos EUA, embora pouco significativos se comparados com outros, inclusive o Brasileiro: as alienações de bens estatais, o incentivo aos capitais estrangeiros para participar das privatarias, o aporte de recursos públicos nos casos de insucesso grave/grande/importante, econômica e politicamente.

Em relação às crises, criadas pelas próprias finanças para justificar a transferência de recursos públicos para instituições privadas e promover as privatizações, recordamos as ocorridas apenas neste curto tempo de transformação econômica: 1986 – 2001.

Crise de 1987 – Em 19 de outubro de 1987, a Bolsa de New York despenca e os ativos são depreciados em 22,6%. Atinge também a Europa e a Ásia. Pensamos que deve ter sido um teste para o mecanismo que transferiria bens públicos para cobrir os déficits especulativos pela via das privatizações. As consequências não cabem neste artigo, mas as falhas e os erros merecem uma cuidadosa análise do que vem sendo cometido neste novo gerenciamento voltado unicamente para o lucro. Os casos Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, podem ser incluídos como exemplares.

Crise de 1990 – Da bolha imobiliária japonesa.

Crise de 1992 – Sistema Monetário Europeu.

Crise de 1994 – “El Horror de Diciembre”, no México.

Crise de 1997 – “Crise dos Gigantes Asiáticos”, centrada no baht, moeda da Tailândia, arrastou as economias da Malásia, Indonésia, Filipinas, Taiwan, Hong Kong e Coreia do Sul.

Crise de 1998 – Finanças da Rússia.

Crise de 1999 – Reeleição de Fernando H. Cardoso, no Brasil.

Crise de 2000 – Ponto com ou a Bolha da Internet.

Crise de 2001-2002 – “A crise argentina”. O Governo não possuía fundos para manter a paridade fixa do peso ante o dólar (Governo Carlos Menem/Domingo Cavallo) e, perante a saída de capitais, impôs restrições à retirada de depósitos bancários, uma medida conhecida como Corralito. Em dezembro de 2001, Buenos Aires suspendeu o pagamento da dívida, de quase US$ 100 bilhões. Em janeiro de 2002, o presidente Eduardo Duhalde se viu obrigado a terminar com a paridade e transformou em pesos os depósitos bancários em dólares.

Atualmente temos os gestores de ativos, com capitais oriundos de paraísos fiscais, isto é, anônimos, e muitas vezes obtidos com crimes, manipulando e adquirindo todos os ativos/bens produtores ou prestadores de serviços, transformando o mundo num monopólio destes capitais.

É esta realidade que, na permanente guerra híbrida movida pelas finanças contra as sociedades, entre as vítimas há quem culpe o comunismo (!).

Parece que voltamos aos primórdios do cristianismo, quando Santo Irineu (Irineu de Lyon, 130 a 202 D.C.) atacava a seita dos gnosticistas, ou quando Santo Inácio (Inácio de Loyola, 1491-1556), colocava seus “soldados de Cristo”, os jesuítas, para combater a Reforma Protestante.

É um tipo de cruzada fora de época, desde o fim da URSS, como uma ressureição da Inquisição ibérica contra os judeus, ou os fantasmas de Cornelius Otto Jansen (1585-1638) desfigurando a predestinação humana, descrita por Santo Agostinho (354-430) “algumas pessoas estão predestinadas por Deus a serem salvas por decreto eterno e soberano, que não se baseia na vontade e nem nos méritos do homem”.

Enquanto um representante das finanças internacionais, o Ministro Paulo Guedes, de acordo com o articulista de O Globo, Bernardo Mello Franco, numa única exposição disse que “todo mundo quer viver cem anos” e o crescimento demográfico é um dos inimigos dos gestores de ativos, e que o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), programa do Ministério da Educação (MEC), bancou a faculdade de “filho de porteiro”, demonstrando seu projeto de exclusão social, outro objetivo daqueles gestores de ativos.

O projeto político dos gestores de ativos é, portanto, brutalmente antissocial, no sentido mais profundo do termo, de antítese a qualquer tipo de sociedade. A voracidade especulativa e espoliativa corrói o tecido social de forma a não deixar nada além de escombros e caos. Dispomos, contudo, dos mais diversos e abundantes recursos de que necessitamos para erigir uma Nação autocentrada. O trabalho de construção nacional a ser estabelecido passa, entre outras coisas, pelo alinhamento das finanças à economia física e ao bem estar social, ou seja, pelo real controle estatal da moeda e do crédito, colocando-os a serviço de todos e não de uma minoria financista predadora.

Felipe Maruf Quintas é doutorando em Ciência Política na Universidade Federal Fluminense,

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