A burguesia industrial brasileira foi a que mais se alarmou com possibilidade de Bolsonaro melar reforma tributária, que simplifica o sistema de cobrança de impostos no Brasil, sinaliza desconcentração da renda e viabiliza justiça social para promover industrialização. O ex-presidente fascista, que não entende nada de economia, nem de nada, mas só de ódio e revanchismo, queria que o governador Tarcísio de Freitas(PL-SP) seguisse suas ordens.
Desejava marcar posição contra Lula, para que, ao final, com reforma tributária não aprovada, continuasse a inviabilidade estrutural da indústria nacional no cenário internacional e, claro, tornasse impossível a industrialização que o presidente pretende incrementar.
Favoreceria, claro, os que querem o Brasil de volta à colonização do século 19, sem nenhuma indústria, importando tudo e exportando emigrantes para o exterior, como desejava Paulo Guedes.
O sistema tributário, monstrengo incompatível com a modernidade econômica, que se alinha à inteligência artificial e exige novas relações capital-trabalho, capazes de levar os investidores à preferência pela economia real em vez de pela economia meramente especulativa, perdera utilidade para quem tem dinheiro disponível aos investimentos.
Melhor jogar na especulação do que na produção sem consumidor.
A concentração absurda da renda nacional proporcionada pelo sistema tributário, que acaba de ser detonado, no Congresso, gerador de desigualdade social, que reduz propensão ao consumo e joga a economia na deflação, sistematicamente, exigiu dos governos mecanismos de proteção aos lucros cadentes.
Subsídios, subvenções, anistia, compensações de toda a natureza, perdão de dívidas etc., foram necessários para proteger o capital contra queda da taxa de lucro no cenário de subconsumismo estrutural do capitalismo nacional eternamente dependente de poupança externa.
Mecanismo de concentração
O sistema tributário, criado na ditadura militar, serviu, sobretudo, para proteger indústriaS de bens duráveis implantadas na era juscelinista, localizadas nas regiões sudeste, com a missão de extrair renda do norte e nordeste, via cobrança de tributos na origem da produção e não no destino dela, como arma para produzir consumidor.
Os estados mais pobres, com o tempo, tiveram que ir à guerra fiscal, para não desaparecerem, econômica e financeira, oferecendo isenções tributárias que, ao fim e ao cabo, esvaziariam ao longo do tempo os produtores de bens duráveis do sul rumo ao nordeste, norte e centro-oeste, em busca de vantagens fiscais. A famosa guerra fiscal criou base política no Congresso que jogou o norte, nordeste e centro-oeste contra sul e sudeste. Jamais as demandas jurídicas do sul contra o norte e nordeste tiveram sucesso no Supremo Tribunal Federal.
Como, desde a queda dos trabalhistas, com Jango, em 1964, não se realizou reforma agrária, para criar mercado interno para a produção industrial interna, esta se destinou, apenas, a uma parcela inferior do mercado consumidor protegido tributariamente com crédito subsidiado.
O resultado foi o mal permanente produzido pela desigualdade social: a produção excedente levou os capitalistas dos bens duráveis, afetados pelo subconsumismo capitalista tupiniquim, a correrem para o governo a fim de pedir proteção, contra queda da taxa de lucro em estoques acumulados.
Novamente, como sempre, foram protegidos por meio de subsídios, cujas consequências, no cenário de insuficiência crônica de consumo global, foram elevação dos déficits públicos, de forma permanente.
Lei Kandir bloqueia industrialização
Quando o excedente interno conseguia ser desovado pelas exportações subsidiadas, a situação tinha desafogo.
Diante de crises internacionais financeiras e de aumento da concorrência global, ela desandava por falta de competitividade, decorrente de sistema tributário anticapitalista, protetor de produção interna fadada ao prejuízo por falta de renda.
Na Nova República, os capitalistas, na Era FHC, que bandeou para o Consenso de Washington, vazaram para o agronegócio e a mineração por meio da lei Kandir, em 1996, porque a indústria de bens duráveis estava fadada ao fracasso diante da sobrevalorização cambial como arma para combater superinflação: importava tudo barato, acumulava déficit em contas correntes no balanço de pagamento e dívida pública.
Pela Lei Kandir, até hoje, produtores agrícolas e mineradores internacionais usufruem de isenções de ICMS sobre exportações de produtos primários e semielaborados.
Governos estaduais, sem sua maior fonte de renda – arrecadação do ICMS – não puderem realizar industrialização regional, e a riqueza do país escoou para o exterior, para ser lá industrializada e importada por aqui, gerando deterioração nos termos de troca, com acúmulos de crises cambiais e déficits fiscais etc.
Não foi possível, graças à imperialista Lei Kandir, desenvolver industrialização, avanço científico e tecnológico, associado à produção, nem foi, devidamente, capacitada mão de obra nacional, para elevar produtividade interna do capitalismo.
O resultado, historicamente, tem sido a baixa competitividade da produção brasileira, incapaz de garantir aos capitalistas o mercado suficiente à produção, graças à insuficiência de consumo, bombeadora da desigualdade social, gerada pelas políticas monetárias ancoradas em câmbio flutuante, metas inflacionárias e elevados superávits primários, impostos pelos credores.
Estados e municípios, sem receita tributária do ICMS nas exportações de primários e semielaborados, caíram na armadilha do endividamento mediante aval do tesouro nacional e se tornaram peso morto no cenário do desenvolvimento insustentável.
Falta Reforma Agrária
Sem a reforma agrária, como se deu nos países capitalistas desenvolvidos, para gerar mercado consumidor sustentável, o capitalismo tupiniquim se transformou em dependente crônico do endividamento renovado, sistematicamente, na agiotagem financeira, que consome metade do orçamento geral da União.
A Lei Kandir formou casta de capitalistas do agronegócio e da mineração, que não paga imposto, à custa da população que sofre na tributação regressiva do consumo de produtos essenciais à sobrevivência dela.
Além do mais, tal casta ainda recebeu a benesse tucana fernandina de ficar isenta de imposto de renda sobre lucros e dividendos, produzindo fantástica concentração de renda.
Sem a industrialização, prejudicada pela crônica insuficiência de demanda global, dependente, totalmente, de exportações de excedentes, que, ora está em alta, ora entra em baixa, no capitalismo mundial altamente competitivo, os capitalistas industriais somente conseguem sobreviver às custas de altos subsídios.
Estes, por sua vez, inviabilizam o Estado nacional, pressionado, por isso, pelos ultraliberais que dominaram o poder de 2016 a 2018, por meio de golpe parlamentar, jurídico e midiático, a liquidar o patrimônio que o nacionalismo trabalhista getulista construiu, como a Petrobrás e Eletrobrás.
Herança da liquidação varguista
A danação final contra industrialização veio no bojo das reformas trabalhista e previdenciária, liquidando conquistas sociais getulistas, cujas consequências, sobre-acumuladas, foram redução da renda disponível para o consumo, com queda geral do poder de compra dos trabalhadores.
Lula, portanto, no seu terceiro mandado, depois de liquidar a fome no país, nos dois anteriores, e promover maior distribuição da renda, elevando consumo popular, recebeu a carga pesada em forma de arcabouço fiscal cercado de presságios sob pressão do Banco Central Independente comandado pelo ultra-neoliberal, Roberto Campos Neto.
O governador Tarcísio, bolsonarista de carteirinha, sob pressão dos capitalistas de São Paulo, teve que assumir sua nova identidade, ou seja, abandonar Bolsonaro e render-se às pressões das indústrias, que, com novo sistema tributário, terá alíquota única para IVA capaz de livrá-la do sufoco, aliviando, parcialmente, também, o governo federal, que não suporta mais conceder subsídios, marcado de perto pelo mercado financeiro.
O presidente Lula, com nova reforma tributária, que centraliza fundos de arrecadação fiscal, aprovados no Congresso, tem diante de si novo fato econômico e político que dependerá da sua capacidade de mobilizar a sociedade para tocar industrialização, sem a qual inexistirá desenvolvimento sustentável.
Será que a burguesia industrial entenderá que a partir de agora sua sobrevivência histórica dependente da reforma agrária, com Lula, para criar o mercado interno sem o qual ela perece?