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Para entender Barbie – um mansplaining com spoilers, por Paulo Moreira Franco

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Paulo Moreira
Paulo Moreira
Economista aposentado do BNDES

“Gostei do visual e do marketing, mas filme costuma ter história também.
Acho que minha decepção é pq eu esperava um príncipe em ny e encontrei tweets feministas”.
(a genial Amiga que é a pessoa que mais entende de cinema que conheço)

“Se ela não tem mais de 40 anos, ou eh mãe, o filme não eh para ela.
Até os 30 vc não percebe a crueldade do mundo com as mulheres”
(Fofinha)
Vou falar do filme. Se você é dessas pessoas que quer “surpresa!”, pare de ler. Aliás, nem vá ver o filme, pois essa não é a graça dele.

Meses atrás Washington me propôs escrever sobre esportes e cinema, assuntos dos quais conversamos pessoalmente algumas vezes. Agora há uma razão finalmente para escrever sobre cinema. Algo que pode ser divertido, controverso, e ajudar pessoas a apreciar o que é um belíssimo filme, um filme que, por incrível que pareça, endereça toda uma família de críticas (bastante justas) à vandalização (majoritariamente) pelo grupo Disney de importantes patrimônios culturais do Ocidente do século XX.

Como ver Barbie? Se alguma de vocês viu o filme de Speed Racer, um amoroso filme feito pelas hoje Lilly e Lana Wachowski, recordem o filme com o seguinte exercício:

– Movam o seu botão de idade/memória para o setup: menino, em torno de seis anos.

– Peguem o botão de controle que controla o mix entre hot wheels e dinossauros, e mova para algo como 95% hot wheels.

E voilá, o filme passou a fazer sentido! Observação: o filme não é para meninos de seis anos. Meninos de seis anos não têm uma relação afetiva com o tempo em que viram Speed Racer ou com o tempo que brincavam com hot wheels (ou matchbox). Lilly e Lana foram esses meninos, Lilly e Lana foram Andy se despedindo de Woody. Alguns dos brinquedos do Andy, como os soldados de plástico verde escuro, eu tive. Não havia Woody, mas o Forte Apache, índios, cowboys, soldados yankees em várias posições, situações (e alguns cavalos!). Matchboxes, o bastante despintado Ford GT40 que ainda tenho, só os aros sem as rodas, que tanto se parecia com os carros de speed Racer.

Barbie: ponha o cérebro para menina, oito anos. Se você, como eu, não passou por essa experiência, lembre de sua irmã, de suas primas, de suas amigas, de suas filhas. Lembre da expressão de sua mãe quando era pequeno, de suas tias. Lembre dos sonhos, do lúdico. Converse com alguma mulher ao seu lado. Pense na sua amiga querida, feliz, tirando uma foto dentro da caixa da boneca, num mar de pessoas de rosa indo ver o filme.

Me lembro de minha irmã brincando com suas Suzies – não havia Barbies no Brasil da época. Me lembro de minhas filhas. Me imagino em suas brincadeiras relembrando o filme.

Uma das justificadas críticas da alt-right e arredores à Disney, à Marvel, à Netflix, à Hollywood woke em geral, é a forma como eles desrespeitam o lore, o material original a partir do qual aqueles personagens foram criados. O mercado tem punido isso, o fracasso de Anéis do Poder, da Fase 4 do Universo Marvel, do último Indiana Jones.

Mas qual o lore da Barbie? Barbie é uma boneca feita para meninas ainda não adolescentes. O que quer dizer, em termos do próprio cinema americano, aquelas que acham que beijo na boca é “gross!”. Quem brinca de Barbie não está encenando a mãe cuidando daquela que brinca: ela já evoluiu, como abre espetacularmente o filme. Ela já tem consciência que:

“One day I’ll grow up, I’ll be a beautiful woman.
One day I’ll grow up, I’ll be a beautiful girl.
But for today I am a child, (…)”

E Barbie é esta mulher que se define pela sua carreira: há mais de 200 barbies representando isso. Pela situação em que ela sai de casa para ir à praia e/ou fazer um esporte, por exemplo.

Como é a situação de brincar de Barbie? Bem, você brinca de Barbie sozinha ou com poucas amigas – não imagine um RPG com toda Fellowship do Anel envolvida. Você não brinca com muitas Barbies ao mesmo tempo, nem trocando suas roupas com muita frequência. Elas são grandes, as roupas custam caro, itens de colecionador para adultos fetichistas. Para isso existem as Polly, pequenas bonecas de plástico com suas roupas de uma borracha fácil de trocar. Ou pelo menos era assim quase duas décadas atrás, certamente há novidades que serão memória afetiva de pessoas que já existem, que não conheci tanto assim (qual raios é o sentido de uma pistola nerf lhama de fortnite?).

Nesse mundo em que meninas se espelham em mulheres adultas que elas conhecem, mas que elas conhecem parcialmente (nem seus perfis de Bumble, nem suas DRs, nem o cotidiano de seus escritórios), existe Ken. Ken não é uma pessoa que tem um relacionamento com a Barbie. Ken não é o amiguinho de jardim de infância que você chama de namorado e se imagina fazendo patinação artística com ele na olimpíada. Ken é um adereço, como uma bolsa, aquele cara que vai buscar Barbie em casa e volta mais tarde com ela. Esse é o Ken na brincadeira, e esse é o angustiado Ken no filme.

Esse Ken traz o patriarcado para o mundo da Barbie. Isso é algo delicioso no filme. O que é patriarcado? Basicamente homens mandando, cerveja e cavalos. Aliás, Ken reclama que não tem tantos cavalos assim no patriarcado. Duas pequenas histórias, diferentes meninas de diferentes eras:

– Uma menina que estuda num colégio todo alternativo vai numa formatura no Colégio Militar e fica fascinada com uma escola que tem cavalos, piscina e uma biblioteca igual à da Fera em A Bela e a Fera. Para desespero da mãe, a menina decide que quer ir para lá, e acaba indo. Um tempo depois ela descobre que cavalos não são tão interessantes assim, mas o resto da escola é ótimo.

– Uma menina pequena, em toda inocência de quem descobre, maravilhada, as palavras, houve o avô discutindo com o pai sobre a irmã deste. Ela houve uma palavra linda, de uma sonoridade mágica, uma palavra que nunca ouviu antes. Logo depois ela chega na mesa e fala: “quando eu crescer eu quero se obtusa como a tia Fulana!”. Obviamente, rolou um barraco enorme na nobre família militar.

Patriarcado ali é uma palavra que não deve ser entendida com precisão sociológica, histórica. Ela não é o tempo presente da menina adolescente cínica e engajada. Ela é a memória de uma mãe que é secretária (feita pela protagonista da versão americanizada Betty, a feia), para quem Barbie é um escape de sua imaginação, forma de despejar as imperfeições do mundo real. O personagem dela é tão roteirista quanto o do garoto em Uma Aventura Lego, um outro filme absolutamente brilhante sobre brinquedos (ter parentes visitando de Portugal me permitiu ter um pouco de legos na infância, e na precariedade dos que havia na época, ser masterbuilder de espaçonaves, carros de corrida e armas).

O feminismo do filme, nesse sentido, deve ser entendido sob todo o universo de reclamação que cada uma dessas suas tias, amigas, primas, mãe, irmãs tenham passado em sua existência cotidiana, filtrado por esse olhar miúdo, sem compreensão das relações complexas do mundo, que é o olhar de uma criança. O mundo real de Barbie não é um mundo real, mas outra fantasia, e isso é espetacular no filme. Tanto Barbieland quanto o mundo adulto são realidades imaginadas, e o filme respeita isso.

Spoiler dos spoilers: a cena final é perfeita! Como Andy partindo para a faculdade, Barbie deixa de ser criança e resolve tornar-se uma mulher. Qual o ato que separa a criança da mulher? A ginecologista vira seu médico no lugar do pediatra. É uma linda alegoria.

No mais:

– As cenas de dança dos Ken estão ótimas. Kenergy definitivamente é menergy. Reparem as roupas, os mocassins. Saí do filme querendo uma biopic de Gene Kelly à lá Rocket Man estrelada pelo Ryan Gosling.

– A princípio pensei que faltaram dinossauros ao invés de cavalos. Afinal, todos os meninos recentes que conheci gostavam de dinossauros. Minha filha brincava de Winx (as meninas) versus Dinossauros (os meninos) no segundo ano no Cruzeiro. Depois me caiu a ficha que eu estava tentando enfiar personagens da brincadeira masculina no puro mundo feminino da Barbie. E que a atriz que faz a mãe já tinha nove anos quando Jurassic Park foi lançado.

– Minha filha teve (talvez ainda tenha) a Barbie Video Girl. Usava com a irmã para fazer clips delas cantando músicas de Hanna Montana.

Confira o texto na íntegra.

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