Há poucos dias, em seu programa Conversa com o Presidente, Lula defendeu a necessidade de que seja montada uma nova TV internacional para o Brasil. Ele sustenta que se alguém quiser uma informação verdadeira sobre o Brasil, é preciso assistir à Telesur, uma TV multiestatal de integração da América Latina, sediada na Venezuela, que conta com a participação de Cuba, Nicarágua e Bolívia.
De fato, a mídia empresarial internacional revela-se inepta para trazer a cobertura real e objetiva sobre o Brasil, destacando apenas aspectos secundários e, sobretudo, distorcendo as principais políticas e mudanças que nosso país vem registrando, seja internamente – em benefício da maioria de seu povo – seja no âmbito internacional, quando se apresenta como protagonista na luta pelo mundo multipolar, com relações econômicas mais justas e sem a atuação discricionária da única moeda, como é o caso do dólar.
É evidente que a ausência de uma TV internacional brasileira é uma lacuna altamente prejudicial aos interesses do país e de seu povo. Afinal, o Brasil é um dos fundadores do bloco Brics, um dos principais articuladores para a integração sul-americana e a reconstrução da Unasur.
Também é um país dotado de envergadura industrial capaz de reduzir prazos e ritmos históricos para alavancar o desenvolvimento soberano da região. Portanto, não faz qualquer sentido que um ator deste porte não disponha também de seu próprio canal televisivo internacional.
É evidente que a ausência de uma TV internacional brasileira é uma lacuna altamente prejudicial aos interesses do país e de seu povo. Afinal, o Brasil é um dos fundadores do bloco Brics, um dos principais articuladores para a integração sul-americana e a reconstrução da Unasur.
Essa ferramenta comunicativa é essencial, ainda mais no mundo globalizado. Sem ela, a enorme gama de informações sobre a economia, o comércio, a cultura e a dinâmica política brasileiras termina soterrada ou incompreendida. Diante da notória manipulação pela mídia empresadas riquezas brasileiras, o presidente Lula está coberto de razão. Mesmo com o edificante papel informativo desempenhado pela Telesur, reconhecido por Lula, o Brasil carece de uma voz televisiva própria. Isso poderia fortalecer e ampliar o alcance do jornalismo de integração soberana irradiado pela Telesur em espanhol e inglês.
endo em vista que o Brasil produz uma massa de informações de relevância geopolítica incontestável, capaz de interessar enormemente a população mundial, hoje frustrada em seu interesse na vida brasileira, nada justifica o descompasso entre o Brasil, que pretende ser um ator global de primeira linha, e a pobreza informativa que contradiz o protagonismo que o próprio presidente Lula vem desempenhando no cenário internacional.
A Rádio Nacional já foi a terceira mais potente do mundo
Vale lembrar que o governo Getúlio Vargas, tomando várias iniciativas para alavancar o jornalismo independente dos interesses estrangeiros e oligárquicos, que hostilizavam e sabotavam suas políticas de industrialização acelerada com expansão corajosa de direitos sociais e trabalhistas, preocupou-se em fazer com que a Rádio Nacional do Rio de Janeiro (naquela época, vivíamos a Era do Rádio) se transformasse na terceira emissora mais potente do mundo, transmitindo em três idiomas, além do português.
Além disso, a política de comunicação varguista montou e distribuiu a Revista Pensamento Americano, publicação bilíngue, com o enfoque voltado para o diálogo e a integração do mundo acadêmico e intelectual regional. Lembremo-nos de que, pressionado pelos EUA a ingressar na Guerra da Coreia, Getúlio Vargas recusou a pressão, tal como anos depois, o presidente Lula também refutou a pressão do presidente dos EUA, George W. Bush, para que o Brasil participasse da indefensável guerra/invasão do Iraque.
É um verdadeiro descompasso que o Brasil seja ao mesmo tempo um dos ativos fundadores e membro do Brics, com capacidade para exercer a presidência do Novo Banco de Desenvolvimento do Brics, e, simultaneamente, apresentar-se ao mundo sem comunicação televisiva própria.
É basicamente contraditório que o Brasil seja um ativo questionador da hegemonia do dólar e, ao mesmo tempo, incapaz de produzir informação soberana sobre a audácia de suas próprias proposições em escala internacional.
Qual televisão o Brasil precisa?
O próprio presidente Lula deu início a este debate sempre atual. Além de questionar por que precisamos depender do dólar, ele amplia a questão: por que não temos nossa própria televisão e precisamos da Telesur para informar ao mundo sobre o que somos e o que queremos como povo e como país?
O próprio presidente esclarece ao afirmar que tentou montar um canal de TV internacional no governo anterior, mas não conseguiu.
Também não foi possível montar o Banco do Sul, proposta lançada pelo presidente Hugo Chávez, acompanhando as propostas da Petrosur e da Telesur, sendo esta, hoje, uma realidade com 18 anos de idade e uma história conquistada.
Na verdade, essas revelações do presidente e a falta que ele sente do canal televisivo internacional são uma espécie de convite que ele faz à sociedade brasileira para o debate sobre a soberania informativo-cultural de um povo.
Não se trata, obviamente, como sugerem alguns jornalistas, de criar um novo canal de TV para mostrar o Pantanal espetacular, o exotismo da Amazônia ou as ensolaradas praias do Nordeste brasileiro ao mundo. Precisamos de uma TV que informe ao mundo que somos vanguarda em tecnologia de prospecção de petróleo em águas profundas, com tecnologia rigorosamente nacional, graças à fundação, há 70 anos, da empresa estatal Petrobras, sem que um só desastre ambiental de porte tenha sido causado. Além disso, mostrar que essa ferramenta estatal de desenvolvimento, a Petrobras, foi capaz de gerar uma das empresas mais eficientes do mundo. Isso torna injustificadas as tenebrosas transações de que foi vítima, visando apresentá-la como falida, para facilitar sua privatização e entrega. Uma TV, portanto, capaz de comunicar ao mundo que é falso o mantra que associa empresas estatais à ineficiência. A Petrobras provou o contrário. E de maneira exuberante!
Sim, precisamos de um canal de TV que explique ao mundo que um dos modelos energéticos mais eficientes do mundo foi montado no Brasil, graças à sistemática intervenção estatal. Esse modelo interliga todo o país continental com energia hídrica renovável, na contramão da tendência mundial. Sua produtividade e desempenho são uma mensagem clara de que não existe nenhuma justificativa razoável, técnica, econômica ou ambiental que recomende sua privatização e internacionalização, como vem ocorrendo.
Os capítulos mais recentes dessa alienação inaceitável de patrimônio público são as privatizações da Eletrobras, rotulada pelo próprio presidente Lula como crime de lesa-pátria, e, no mesmo caminho, a da Copel, o que pode também estimular a privatização da Cemig.
Em um recente encontro internacional de estadistas na França, o presidente destacou que o Brasil foi capaz de construir esse modelo energético exemplar para o mundo, mas precisamos comunicá-lo internacionalmente. Ele ressaltou que esse modelo está em vias de ser desmantelado, pois a privatização da Eletrobras é capaz de inviabilizar, por exemplo, a integração energética da América do Sul. Isso vai de encontro ao discurso sul-americano em favor da integração e do fortalecimento do protagonismo dos estados na região.
Há tantas informações relevantes que um novo canal público poderá apresentar ao mundo, que é difícil elencar o que é mais importante. Um fenômeno, que a Telesur já divulgou, mas que o mundo inteiro precisa saber, é que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra é o maior produtor de arroz orgânico de toda a América Latina. Isso é uma conquista da agricultura ecológica, que dispensa o desastroso uso de agrotóxicos em benefício da vida, e apesar disso, ainda é praticado em larga escala no Brasil.
A nova televisão, que o governo Lula pode criar, revelaria ao mundo que existem soluções práticas, comprovadas pela Agricultura Familiar, para responder à aflição internacional sobre alternativas à contaminação da agricultura, dos alimentos e do meio ambiente.
O Brasil saiu do Mapa da Fome da ONU, mas o mundo não soube
Quando a presidenta Dilma foi derrubada por um golpe de estado organizado no estrangeiro, com a participação de setores do Judiciário, do Parlamento e da mídia empresarial, o Brasil havia alcançado a façanha de ser retirado do Mapa da Fome da ONU. No entanto, isso nunca foi manchete na mídia brasileira, sequer na internacional.
Isso aconteceu porque o país não dispunha, e até hoje não dispõe, de uma ferramenta nos moldes da Telesur e nem está associado a ela para divulgar com a amplitude e a relevância que esse fato merece. Afinal, o Brasil é o país que deu a luz a Josué de Castro, autor do célebre clássico Geografia da Fome.
Precisamos, sim, de uma TV que mostre que o Brasil foi capaz de se industrializar, de montar fábricas de aviões e de registrar um salto monumental na tecnologia agropecuária com base nas pesquisas da estatal Embrapa.
Devemos mostrar que possuímos uma indústria naval que, com base na indução das encomendas estatais, resiste às renovadas sabotagens dos segmentos antinacionais que a asfixiaram. Temos todas as condições para dar um novo salto, inclusive na esfera da informação soberana e edificante, em cooperação com os países parceiros que constroem o mundo multipolar, no qual a informação tem valor estratégico.
Não é por acaso que o presidente Vladimir Putin, da Rússia – parceiro de Lula no Brics – também mencionou a necessidade do Brics construir sua própria internet.
Instalação imediata dos Canais da Cidadania, previstos em lei!
Acostumado a levantar temas e debates sobre ações imprescindíveis e urgentes, como agora sobre a desdolarização e também sobre uma nova TV internacional para o Brasil, o presidente nos convoca a todos para opinar sobre estas e outras questões delas derivadas. Por exemplo, não faz sentido que também não sejamos capazes, como brasileiros, de construir um novo sistema de televisão, como previsto no Decreto-Lei 5820, que cria os Canais da Cidadania.
Eles deveriam ser instalados como TVs digitais em sinal aberto, com espaço definido para a participação da sociedade civil organizada, conforme a regulamentação deste instrumento normativo aprovado pelo Congresso Nacional, mas ainda hoje engavetado no Ministério das Comunicações.
Esse engavetamento está impedindo o surgimento de novas TVs municipais, em escala nacional, que possam fazer fluir a informação interna, travada e sonegada pelos grandes meios corporativos, mais interessados em desgastar e desestabilizar o governo Lula.
Aqui está uma novidade democrática que o governo Lula pode apresentar à Nação. O Decreto-Lei 5820 é de autoria do próprio presidente Lula, datado de 2006, em seu primeiro governo. A instalação de TVs municipais, os chamados Canais da Cidadania, possibilitaria a expressão informativo-cultural das cidades, estimulando a educação cidadã de nosso povo, elevando sua capacidade informativa educacional para a saúde, o meio ambiente, o trânsito etc. Além de representar um impulso para expandir a indústria de equipamentos, tonificando a industrialização reivindicada por Lula, e também para a expansão do mercado de trabalho de jornalistas, técnicos, artistas, engenheiros, projetistas etc.
Há também uma carência de informação qualificada e educativa para o povo, que é vítima de manipulação sofisticada e prejudicial. Isso é evidente agora, com a tentativa de apresentar um personagem de escassa representatividade cultural, a Xuxa, como uma espécie de heroína da nação brasileira.
Enquanto isso, a grandeza da epopeia de construção, pelos brasileiros, de sua imensa riqueza patrimonial, energética, tecnológica, social e produtiva, é rigorosamente sonegada pela mídia prisioneira da ditadura do mercado.
Nem lá fora, nem aqui dentro, estamos verdadeiramente informados do que somos capazes, do que já construímos e do que estamos ameaçados de perder. O presidente Lula está certo em abrir esse grande debate sobre a soberania informativo-cultural.
Beto Almeida é jornalista.