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Monstros, por Paulo Moreira Franco

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Paulo Moreira
Paulo Moreira
Economista aposentado do BNDES

“O velho mundo morreu, o novo mundo tarda a surgir, e neste claro-obscuro, surgem os monstros.”
(Gramsci)

“Today we face the monsters that are at our door and bring the fight to them! Today, we are canceling the apocalypse!”
(Stacker Pentecost)

Monstros. Acho que não cheguei a tocar na morte daquele que foi um dos maiores monstros do século XX: Kissinger. Um gigantesco desafio dos futuros artistas será fazer um filme ou série que retrate, em sua complexidade, a frieza materialista dessa criatura fronteiriça entre o Político e o Cientista. Para mim, a grandeza de Kissinger não foi a de um monstro gramsciano. Kissinger é o apogeu do estado nacional americano, o momento na época da Guerra Fria onde muitos formatos de violência faziam sentido, mas eles aconteciam oprimidos pelas margens da conflagração nuclear e do respeito ao sistema de Vestfália.

Monstros. Por vezes Godzilla é necessário. Por vezes o monstro traz destruição, por vezes ele nessa destruição destrói um monstro maior. Toda vez que você ouvir a estória de Stalin e Holodomor, pense em Churchill e nos três milhões de mortos de fome na Índia em 1943. E pense em quem estava do outro lado.

Monstros. Por vezes eles vêm a nu. A manhã de sexta passada foi um desses momentos. Concretamente, a Corte Internacional de Justiça admitiu a discussão de que Israel está em vias de praticar um genocídio e simplesmente ignorou o argumento de autodefesa (para uma discussão muito bem feita e mais detalhada, leia esse artigo do Craig Murray). Em retaliação a isso, os Estados Unidos e alguns dos países a ele aliados na sua guerra indireta contra a Rússia, sendo travada no território da antiga República Soviética da Ucrânia, resolveram cortar suas contribuições para a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA, na sigla em inglês que aparece nos jornais). Misto de chilique, dissonância cognitiva, de massacre indireto, crime a ser julgado no futuro, no mínimo, no tribunal da História.

Monstros. Eu poderia encher esta página de todo o tipo de violência gratuita praticada pelo estado fascista que tem Netanyahu como seu governante. Mas não comecei por Kissinger gratuitamente. Há uma história surreal que une Kissinger a esse grupo que governa Israel há décadas: reza a lenda que eles ofereceram um prêmio pela cabeça de Kissinger nos anos 70. Sim, isso mesmo que você está lendo: grupos radicais do Likud ofereceram aos habitués do “Hotel Continental” um contrato de 150 mil dólares pela vida de Henry.

Monstros. O Leviatã é um monstro, um monstro divino fundador de uma interpretação da ordem política. Outro monstro, fundador em mais de um sentido da palavra, é o Príncipe. Monstros estão na fundação da Ciência Política. Que tipo de monstro teria sido Henry? Seria um realista, um daqueles que entende o mundo numa percepção materialista a partir de poder e interesses? Uma versão pragmática de realista, uma versão mais oportunista do que realista, ou no fundo, no fundo, um bom idealista como todos os neoconservadores desejariam que ele fosse? Ou, como apreciador de futebol que era, alguém de uma sofisticação além das caixinhas dos americanos (como penso que ele foi)?

Como falei no início, Kissinger foi o condutor da diplomacia americana num momento crucial para a consolidação do papel de potência hegemônica dos Estados Unidos: o abandono do padrão-ouro e, um par de anos depois, o petrodólar e o mercado financeiro americano como reciclador de capitais do excedente da OPEP.

Esse mundo acabou.

O que sobra são uns Estados Unidos cuja ação de política externa não faz mais sentido há muito tempo. O que quero dizer por fazer sentido? Quer dizer uma condução que implica em preservação de poder dentro de uma perspectiva de interesses materiais concretos. Quer dizer liderança no sentido de produzir estabilidade, o papel da potência hegemônica de fazer com que a anarquia entre as nações convirja para a cooperação. Quer dizer comércio e paz.

Em 2006, John Mearsheimer e Stephen Walt, dois dos melhores cientistas do campo de Relações Internacionais, publicaram um artigo polêmico: “The Israel Lobby”. Publicaram na Inglaterra, pois não conseguiram publicar nos EUA. Basicamente eles identificaram que, se numa perspectiva realista, a política externa americana não fazia sentido, ela era explicável do ponto de vista de questões de política interna e da influência do lobby pró-Israel.

O problema é que a aceitação da condição de potência hegemônica passa pelo reconhecimento de que aquele país tem uma compreensão da ordem pela qual ele é responsável. Em 12/12, quando os EUA foram o único país dentro do G20 votando contra a resolução da Assembleia Geral da ONU demandando um cessar fogo em Gaza, ficou claro esse descompasso, essa alienação dos EUA.

Há quem argumente que Israel é a base para as operações dos EUA sobre a região. Isso é um grave equívoco, uma total ignorância de onde estão as bases americanas e as estruturas logísticas para travar uma guerra na região. Qatar e Kuwait são as bases americanas; Iraque o lugar onde eles ainda têm uma ocupação legal relevante. Do ponto de vista militar, Israel não só drena armas necessárias em outras frentes (da pobrezinha da Ucrânia, por exemplo), como força os EUA a enfrentar realidades militares às quais eles não estão propriamente prontos, como o bloqueio naval dos Houthis contra navios que se dirigem a Israel (ou que pertencem a americanos e ingleses), ou os ataques às bases na Síria e no Iraque usando da mesma revolução nos assuntos militares que já tratei antes (mas que você pode ver muito melhor discutida neste artigo do Aurelien, que me mandou meu amigo que realmente entende desse assunto).

As consequências são claras, como, por exemplo, o primeiro pagamento em Dirhan Digital, entre Emirado e China, que foi realizado esta semana. “The cross-border payment was facilitated through the “mBridge” platform, a collaborative effort of the BIS Innovation Hub, four founding central banks including the Hong Kong Monetary Authority, Central Bank of the United Arab Emirates, Digital Currency Institute of the People’s Bank of China and Bank of Thailand, and over 25 observing members.

Some-se a isso ter sido anunciada oficialmente a entrada da Arábia Saudita nos BRICS. Você tem ideia de como isto, se juntando à notícia da transação acima, reverte uma história que aconteceu meio século atrás? Esse é um Oriente Médio pós-Kissinger, onde a ordem baseada no dólar não mais existe.

Neste sentido, nosso governo ter tirado seu Itamaraty da passividade usual, para desgosto de alguns que confundem seus laços pessoais com Israel com os interesses do país, foi um sintoma de que a política externa brasileira continua em bases racionais, tal como ela retornou no momento em que o governo Bolsonaro se manteve neutro, no decorrer da Operação Militar Especial russa, para garantir fertilizantes para o país (ao invés de brincar de Milei).

Relembrar essa questão de Bolsonaro com os fertilizantes faz sentido no outro conflito gritante no momento: os agricultores europeus contra as medidas da agenda verde. Paris está cercada por tratores, mais uma etapa dessa revolta que começa a se generalizar pela Europa. A aposta mais óbvia seria, como no caso da URSS na década de 30, apostar nas forças do progresso triunfando e submetendo o campo. Mas estes são tempos de AQUARIUS, tempos onde a equação da força começa a pender para o “democrático”, como diz o artigo do Aurelien. Quem triunfará: a atrasada política democrática ou a tecnoestrutura policial-burocrática?

Como em 2013, como em 1968, esses conflitos vão ter suas repercussões aqui. Quer porque estamos inseridos no Mundo e com problemas semelhantes; quer por simpatia, solidariedade ideológica; quer pelo desejo de imitar, de viver as experiências e emoções dos outros. Há Monstros. Terão que ser enfrentados.

Leia o texto original na íntegra. 

Qual a sua opinião? Comente.

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