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A natureza da desindustrialização brasileira

JOSÉ LUIS OREIRO — Professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB)

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Que o Brasil, sobretudo desde Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP), mas na verdade desde o outro fernando e liberal que o antecedeu, vem perigosamente caminhando na direção da desindustrialização e da reprimarização da própria economia, não é segredo para nenhuma pessoa atenta.

Tampouco é fato desconhecido as terríveis consequências para o povo, a sociedade e o Estado, de quando isso  acontece. Então, por quê? Quem? Como? José Luís Oreiro, Professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), em brilhante artigo originalmente publicado no Correio Braziliense, no dá uma ideia bastante precisa.

Ato contínuo, prossegue fazendo uma revisão histórica dos estudos do tema, nos informando que
O debate sobre a desindustrialização da economia brasileira tem início no ano de 2005, quando o economista Chileno Gabriel Palma apresentou um seminário na Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) em que ele desenvolveu pioneiramente o conceito de desindustrialização precoce que afetou os países da América Latina a partir da adoção dos preceitos do Consenso de Washington no início dos anos 1990. Para Palma, a redução das tarifas de importação realizada pela maior parte dos países da América Latina nos anos 1990,  em um contexto macroeconômico marcado pela adoção de planos de estabilização com âncora cambial, gerou uma redução da participação da indústria de transformação no PIB dos países da América Latina a um nível de renda per capita bastante inferior ao observado pelos países do G7 quando eles passaram por um processo de desindustrialização nos anos 1970 e 1980. A desindustrialização da América Latina seria, portanto, precoce na comparação com o ocorrido com os países de alta renda, nos quais a desindustrialização poderia ser vista como decorrência natural do aumento do nível de renda per capita, o qual tende a fazer com que, após certo nível, uma parte crescente da renda das famílias seja alocada em serviços em vez de produtos manufaturados. 

Entre 2006 e 2010, um número crescente de economistas desenvolvimentistas passaram a sustentar a tese de que a economia brasileira passava por um processo de desindustrialização precoce devido à crescente sobrevalorização da taxa de câmbio ocorrida a partir de 2005, fruto da política de juros elevados praticados pelo Banco Central, a qual conseguiu fazer com que a inflação ficasse quase 150 pontos-base abaixo da meta no ano de 2006. Os economistas ortodoxos, contudo, negaram reiteradamente a ocorrência desse processo, alegando que as elevadas taxas de crescimento da produção industrial — ainda que inferiores ao crescimento do PIB — eram prova de que a indústria brasileira estava ganhando competitividade devido à possibilidade de importar bens de capital de última geração a preços mais baixos em razão da valorização cambial.

São pontos muito difíceis de se objetar e inclusive economistas do quilate de Maria da Conceição Tavares, já nos alertava sobre eles. De fato, a Lei Kandir e o subsequente o Plano Real não foram outra coisa que garantias legais que o país iria se reprimarizar e ato contínuo, ser subordinado à banca _ chamada carinhosamente nos telejornais da vida de “Mercado”, por jornalistas a soldo.

Mas o professor Oreiro, sem torn-a-lo inacessível, não restringe o debate a desenhos legais de forças políticas entreguistas e associadas ao grande capital, na medida em que acrescenta entre os causadores do problema o Banco Central do Brasil e políticas cambiais de ordem financista. É nesse sentido que ele nos informa que:

O debate brasileiro começa a mudar a partir da crise internacional de 2008 e da “guerra cambial” resultante dos efeitos das políticas de afrouxamento quantitativo adotadas pelos bancos centrais dos países de alta renda, notadamente o Federal Reserve. Tais políticas resultaram  em uma forte desvalorização do dólar e em um aumento dos preços em dólares das commodities exportadas pelo Brasil; acentuando a sobrevalorização cambial, o que não apenas acelerou a queda da participação da indústria no PIB, como também reduziu a participação dos produtos manufaturados na pauta de exportações brasileira de cerca de 53% em 2008 para pouco mais de 35% em 2015.

De fato, como ele mesmo deixa explícito “hoje em dia, ninguém nega que o Brasil passou por um intenso processo de desindustrialização nos últimos 30 anos e que esse processo foi nocivo para o desenvolvimento econômico do país. A questão em debate agora se refere às causas desse processo.

Desinfectando o debate de bobagens como “Custo Brasil”, ele aplica logo de cara, garantindo-nos que “essa tese tem, contudo, baixa aderência com os fatos. Em primeiro lugar, quando comparamos a evolução da abertura comercial do Brasil e dos Estados Unidos no período 1995-2022, observamos que o grau de abertura comercial brasileira aumentou relativamente em relação a dos Estados Unidos. Entre 1995 e 2022, segundo dados do Banco Mundial, a abertura comercial do Brasil passa de 17% para 39% do PIB, ao passo que a estadunidense passa de 22% para 27% do PIB.
Por fim, de maneira didática, assertiva e por que não dizê-lo, eivada de brilhantismo, o professor Oreiro conclui afirmando que “a estagnação da produtividade da indústria brasileira nesse período (1995-2022) está fortemente relacionada com o baixo investimento na compra de máquinas e equipamentos que incorporem as mais novas tecnologias de produção. Produtividade resulta do aumento do estoque de capital por trabalhador empregado. A combinação de juros altos e câmbio sobrevalorizado dos últimos 30 anos desestimula o investimento em máquinas e equipamentos e, dessa forma, a modernização da indústria brasileira. O comportamento recente do Banco Central do Brasil no que se refere à questão da taxa Selic apenas atua no sentido de agravar a desindustrialização da economia brasileira.”
Não vemos como discordar do autor: o Banco Central do Brasil nem de longe é aliado da sociedade e da economia brasileiras, mas antes disso é mesmo a parte principal do problema. Campos Neto, num tal sentido foi apenas mais um rei nu, que de diferente apenas veio a público, para que nossa mídia lhe descrevesse as finas roupas das vestais do financismo.

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