Cadastre-se Grátis

Receba nossos conteúdos e eventos por e-mail.

Meritocracia: uma farsa criada para justificar desigualdades

Mais Lidos

Meritocracia é um conceito social, segundo o qual o sucesso de um indivíduo é determinado principalmente por seus méritos, habilidades e esforços pessoais.

No entanto, em países como o Brasil, sem ser dada a oportunidade de uma ação mediadora do Estado para amparar e/ou dirimir a distância que separa as condições de partida entre os cidadãos, num contexto de concorrência, a concepção de meritocracia serve apenas para justificar a nossa triste realidade social:

  • Na qual, a maioria das crianças não se alimenta corretamente e não tem um ambiente familiar adequado, que possa lhes oferecer oportunidades de acesso a bens culturais e sociais;
  • E outras condições fundamentais para o desenvolvimento de suas potencialidades, como uma rede de apoio, acesso a lazer e esportes e a tecnologia e habilidades digitais, e um ambiente seguro e livre de violência.

Ou seja, ambientada em nossa realidade, caracterizada pela alarmante desigualdade social, promovida com a aplicação na economia da ideologia neoliberal – a ideia de meritocracia representa uma falácia utilizada para tentar abrandar a violência institucionalizada em nossa sociedade.

A verdade, é que a ideia de meritocracia é uma concepção ideológica, promovida e disseminada como parte das estratégias utilizadas para dar sustentação à ideologia neoliberal, cujo objetivo é:

  • Destruir as fundamentais conquistas obtidas com o estado de bem-estar social originadas da decisiva e bem sucedida atuação do Estado em favor da coletividade no período após as duas grandes guerras;
  • Exaltando-se a adoção do individualismo como política de Estado, negando a importância do conceito de interesse público – simplesmente para alavancar os lucros dos grandes capitalistas (ver aqui e aqui).

Para legitimar essa ideia, criou-se uma argumentação, principalmente a partir da década de 1980 na Inglaterra e nos EUA, para dar respaldo ao contrassenso que representa privar os cidadãos do papel regulador e protetor do Estado:

  • Investindo em estratégias enfatizam a alegação de que o desempenho individual é o único critério desejável de ordenação social;
  • Como se a simples possibilidade de alguém pleitear o acesso a posições na sociedade, pudesse lhes garantir a oportunidade para que esse feito seja realmente alcançado. 

Dessa forma, explorando exemplos pontuais de pessoas excepcionalmente talentosas ou extraordinariamente sortudas – que conseguem se sobressair em ambientes socialmente adversos:

  • Tenta-se legitimar a ideia de que qualquer pessoa pode alcançar sucesso econômico e social, independente de ter nascido pobre ou em desvantagens de condições para competir;
  • Atribuindo “defeitos”, como falta de vontade e de esforço às pessoas que estão em condição econômica menos favorável na hierarquia social, para justificar a razão pela qual elas se encontram nessa condição e pela qual merecem permanecer lá.

Para isso, defende-se uma pretensa “imparcialidade do mercado”, definindo-o como um livre ambiente de competição social entre indivíduos, negando-se o fato de que se ter herdado bens familiares ou se ter conexões sociais ou qualquer outro privilégio, como acesso a alimentação e a serviços de saúde e educação de qualidade, possa interferir decididamente nas possibilidades de sucesso ou fracasso dos “competidores sociais”. 

De acordo com esses parâmetros, o sucesso ou fracasso dos indivíduos, frente às situações da vida, são considerados simplesmente uma questão de ordem pessoal, e pensar em ação reparadora da desigualdade social por parte do Estado “não é algo necessário”, “não é considerado justo”, “nem aceitável”. 

A ideia de meritocracia não se sustenta sob nenhuma perspectiva, a não ser para ser utilizada como mecanismo de convencimento e propaganda ideológica:

  • Cuja perspectiva promove um comportamento discriminatório e eivado de preconceitos;
  • E  encoraja e justifica o egoísmo, a discriminação e a indiferença àqueles que, na verdade, foram prejudicados de antemão – por serem desprovidos de oportunidades básicas de desenvolvimento humano e social, que inclusive podem levar à morte precoce.

Na realidade, não há qualquer possibilidade de transformação da realidade social e de superação da ordem estruturalmente antissocial e antidemocrática sob a qual as pessoas estão submetidas, relegando-as à lei da sobrevivência do mais forte:

  • O resultado óbvio disso, com raríssimas exceções, será a predeterminação de alguns para o “sucesso”, enquanto, para os outros, a determinação do seu “fracasso”;
  • Não há futuro promissor possível com esse perfil de desigualdade se reproduzindo ao longo do tempo;
  • E já passou da hora da sociedade brasileira reconhecer o quão desleal e inaceitável é essa situação – e apresentar possibilidades para sua superação.

Não podemos mais fechar os olhos e deixar de perceber a diferença que faz nascer em determinados contextos que possibilitam uns a frequentar boas escolas, dispor de segurança e crescer em uma família com possibilidade de ser organizada em um ambiente tranquilo, com acesso a bens materiais e culturais – enquanto outros não.

Para construir uma sociedade menos desigual é preciso garantir o estímulo ao desenvolvimento humano e social a todos, e só a intervenção reguladora do Estado pode assegurar isso:

  • Diminuindo o abismo social existente entre as pessoas, através de ações afirmativas orientadas para a redução de desigualdades raciais e sociais;
  • E a implementação de políticas de inclusão e de distribuição de renda.

Inclusive, já houve no Brasil a adoção desse tipo de política, quando foram dados incentivos e subsídios para estimular o processo de imigração de brancos europeus para o nosso país – política de inclusão social que jamais existiu para a população negra ou indígena.

Por que, então, não pode ser considerado justo adotar políticas de reparação social para os descendentes desses grupos que foram forçosamente retirados de suas terras, escravizados e privados de vivenciar de forma plena sua identidade e cultura? Os quais, não receberam sequer uma indenização, apesar de terem sido submetidos a tantas outras atrocidades e privações ao longo de tantos anos.

É inadmissível pensar a sociedade sem levar em conta as condições sociais que marcaram a sua construção, ainda mais como pretexto para a manutenção dos privilégios daqueles que são “favorecidos pelo ambiente onde nasceram” e pela condição de serem socialmente melhor relacionados, tendo, consequentemente, oportunidades de destaque na vida.

Não é possível mudar o passado, mas evitar que ele continue a se reproduzir no presente e a se projetar para o futuro – é responsabilidade de todos.

O Estado tem a obrigação de garantir essa reparação histórica para aqueles que há séculos estão em situação de vulnerabilidade e desvantagem social, mas somos todos nós que precisamos nos empenhar para que isso aconteça!

Artigos Relacionados

Comentários Sobre Conjuntura Internacional, por Marcelo Zero

Essequibo i. Dizer que a questão de Essequibo é uma agenda de Maduro ou do chavismo seria a mesma coisa que afirmar que a questão...

O Paradoxo do Governo Lula: Indicadores Econômicos e Sociais Relevantes, mas Não Consegue Comunicar Isso ao Povo

O prefeito do Recife, João Campos, reconhecido pela excelência no trabalho de comunicação do seu governo, em entrevista ao programa Roda Viva (ver vídeo),...

Lula e Haddad sob pressão do neoliberalismo em transe contra governabilidade democrática

Semana decisiva para governabilidade democrática lulista, que continua sob perigo, ameaçada, mais uma vez, por golpe parlamentar, neoliberal, econômico, um ano depois da tentativa...

LEAVE A REPLY

Please enter your comment!
Please enter your name here

Em Alta!

Colunistas